sábado, 3 de março de 2012

Aquela foto

[...]
Um detalhe: sempre ouvi de minha mãe que eu não queria tirar aquela foto. Ironia das ironias, porque hoje essa foto é uma relíquia para mim, maior do que qualquer outro objeto. Mas o mundo é assim: parece que as coisas que se tornam mais valiosas no decorrer do tempo são aquelas pelas quais se dava menos valor no início.

Parece que os maiores amores registrados são aqueles que, ao começarem, não prometiam passar de um flerte. Que as grandes idéias e invenções não eram, no início, quase nada mais do que uma maçã caindo, do que um balão flutuando, que alguns tubos de ensaio num laboratório remoto e precário.

E ela contava que, como eu estivesse resoluto em minha decisão de impedir aquele momento sublime, o fotógrafo teria me mostrado um boneco, para me distrair, e só então conseguiu realizar a foto!

(Não!... não!... é importante aqui escrever a verdade. Estou tentando dissimular aqui um fato “vexatório” para minha reputação de menino de dois anos, e ainda mais constrangedor para minha reputação de homem maduro: na verdade, na verdade, o fotógrafo mostrou uma boneca. Isso mesmo: uma boneca! Mas não importa: a foto foi feita! Será esse mais um exemplo de que os fins justificam os meios?)

Naquele ano, o presidente da república era o Marechal EGD, hoje mais conhecido por ter emprestado seu nome a uma rodovia, o país tinha menos de quarenta milhões de habitantes, poucas pessoas tinham carros, poucas casas tinham telefone e televisão, como volto a lembrar. O mundo era, ao menos por fora, ao menos materialmente, bem diferente do que é hoje.

Por dentro, no entanto, o mundo era igual. O mesmíssimo de hoje. Porque o que o mundo tem 'por dentro' são as pessoas... e o que as pessoas tem 'por dentro' são suas fotos, em poses sérias, quando crianças, ao lado de suas famílias, especialmente ao lado de suas mães.

Mães esplendorosas! Belas. Dotadas de uma beleza incontível. Difícil de narrar mas que, ao mesmo tempo, fica pedindo reiteradamente, uma narrativa. Uma beleza que se derrama em nossa memória, sai pelos olhos, pela boca, pelos ouvidos. Como flores que escorrem na água da chuva, frágeis, orgulhosas de sua beleza e de seu destino. E desaparecem dos nossos olhos, pelas calçadas de nossas lembranças, esvaindo-se no fluir dos dias...

Tinha razão Fernando Pessoa (Portugal,1888-1935): nada retorna, nada se repete, porque tudo é real.

2 comentários:

  1. Olá Roberto,

    Lindas palavras, poesia em forma de narrativa!
    Boas lembranças merecem sempre um bom lugar em nossas mentes e corações!
    Parabéns e Sucesso com seu livro. Estamos na torcida!
    Bjus,
    Sula

    ResponderExcluir
  2. Sula, obrigado. O livro será também uma consequencia - que virá - do apoio e do interesse de voces.

    ResponderExcluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.