quarta-feira, 4 de abril de 2012

segunda-feira, 2 de abril de 2012

O livro está publicado!

Meus caros,

Está publicado o livro!
Clique no link/imagem abaixo para saber mais sobre a publicação e sobre como adquiri-lo.

É uma nova modalidade de publicação, sob demanda:  o livro não vai para as livrarias; é enviado diretamente para o interessado e apenas são impressos os exemplares solicitados. Isso poupa papel e a Natureza!
O livro é bem acabado (tenho um exemplar impresso) e seu preço indicado no site já inclui as despesas com correio.
Dentro de algumas semanas faremos um encontro com o livro em mãos...

Espero que gostem e obrigado pelo apoio de todos!

Abraços,

RM

http://www.clubedeautores.com.br/book/126393--A_AVENTURA_DE_SER_AMAR_E_PENSAR

quinta-feira, 29 de março de 2012

Bourdieu

[...]
O sociólogo Pierre Bourdieu (França,1928-2002) foi um pensador com grandes contribuições para melhorar as vidas de todos nós, de qualquer país, ocupação, gênero e idade.

Segundo ele, uma pessoa dispõe de vários tipos de capitais (além de seu capital econômico, que são suas posses materiais), destacando-se, entre eles, o capital social, o cultural e o simbólico.

Ele define capital social como o conjunto de recursos atuais ou potenciais que a pessoa possui decorrente de seu pertencimento a um tecido de relações sociais, do qual ela se beneficia de diversos modos.

O capital social não é dinheiro vivo, mas é um bem precioso da pessoa, e tem o potencial de transformar-se nele facilmente.

E é assim porque a existência das relações sociais que definem esse tipo de capital, sejam elas de parentesco ou mesmo de circunstâncias sociais menos duradouras, colabora de modo forte para a pessoa construir uma trajetória privilegiada, acarretando-lhe benefícios e lucros.

Tais como: participar de negócios e sociedades comerciais, ter empregos bem remunerados, integrar instituições muito seletivas, residir em condomínios e bairros elitizados, estudar em escolas de elite, até mesmo casar-se com membros de famílias abastadas, entre outros.

Já o capital cultural de cada pessoa assume diversas faces:

a) é o acervo (e a postura) cultural herdada no âmbito de sua família (pais, irmãos, tios, avós);

b) é a hierarquia com que a pessoa é tratada por todos, em função do patrimônio cultural de seu núcleo social;

c) é resultado do melhor domínio que a pessoa tem de seu idioma e dos conceitos sócio-econômico-culturais que afetam sua vida; o que lhe confere certa ascendência no trato com pessoas que não possuem esses recursos, e que são a grande maioria da população.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Como vai, como vai, como vai?

[...]
Durante os quatro dias de Carnaval, muitos dos participantes recebiam doações dos espectadores, dos patrocinadores e até dos apresentadores. Choravam, agradeciam, dançavam. Enfim, era um show. Que dava resultados para quase todos. Como os reality-shows de hoje.

(Há um livro norte-americano, They shoot horses, don’t they?, do final dos anos 1960, depois transformado em filme, que descreve exatamente isso: maratonas de dança, de pura miséria humana, comuns durante a Grande Depressão norte-americana de fins dos anos 1920, início dos anos 1930.)

Vocês, claro, já perceberam que esses shows são a re-edição do circo romano, da arena criada para se trucidar pessoas do povo, onde outras pessoas do povo vão para deliciar-se com o ‘mundo cão’ dessse tipo de espetáculo. (Mundo cão também era uma expressão bastante usada nos anos 1960 e agora bem pouco usada.)

Mas o que não posso deixar de registrar aqui, até porque foi o mote para dar título a essa estória, é o programa semanal de humor Circo do Arrelia, da antiga TV Record, Canal 7. 

Não há muitos anos, vi o palhaço Arrelia, já passado de seus 90 anos, e bem perto do fim de sua vida, sendo entrevistado por um repórter de TV, explicando de onde veio o bordão Como vai, como vai, como vai? Muito bem, muito bem, bem, bem!, que ele usava deliciosamente no programa.

Ele foi à cidade de Araraquara, no estado de SP, com seu circo, já famoso, onde foi abordado e cumprimentado por um político local, que lhe perguntou: “Como vai, como vai, como vai?”, assim, exatas três vezes. Então ele, Arrelia, imediatamente emendou “Muito bem, muito bem, bem, bem!”, exatamente assim, copiando a entonação de seu recém-conhecido, com dois ‘muitos bens’ e dois ‘bem-bens’.

A pergunta e a resposta também eram acompanhadas de movimentos circulares verticais – como os que imitam as rodas de um trem em funcionamento - feitos pelas mãos unidas dos dois envolvidos no cumprimento. E esses movimentos eram induzidos ao Arrelia pelo político, já acostumado com esse ritual...

Ele usou, a partir daí, esse bordão, junto com seu partner de muitos anos, o palhaço Pimentinha, toda vez que ambos entravam em cena, no momento em que conseguiam se cuprimentar, daquele modo – que se tornou característico a partir daí - em que um palhaço se dirige ao outro, ambos de mãos direitas estendidas, caminhando, mas em que um “erra” a mão do outro.

E passa pelo outro, 'sem vê-lo'... até se aperceberem que seu partner 'sumiu'.

(Não é fácil descrever. Muito mais fácil é mostrar como se faz. Sugestão: reproduzam a cena, com seu filho, filha, esposa, enfim, com seu partner. E estudem o caso...)

Depois voltamos a conversar...

sexta-feira, 9 de março de 2012

Italo

[...]
Por alguma razão que não entendi ainda, e não sei se algum dia entenderei, não me lembro do fim de Ítalo. Minha lembrança não registrou seus últimos tempos. Parece-me que ele foi retirado de sua casa por iniciativa dos vizinhos, que chamaram o serviço público social da época, ou pela ação 'benfeitora' de algum de seus parentes ou algo assim.

Porque Ítalo, sozinho, certamente há muito tempo não tinha mais forças nem a clareza mínima para cuidar de si mesmo. Nem para comer, nem para tomar banho, nem fazer sua própria higiene. (Como pode ser, tantas vezes, cruel e patética a condição humana?...)

Como a lembrança não preenche esses fatos, deixo a imaginação preenchê-los assim: Ítalo foi recolhido a um asilo público, viveu lá pouquíssimos meses, até morrer de cirrose combinada com um ataque cardíaco.

Não levou pra lá nem seus discos nem suas garrafas de whisky de terceira categoria, nem a incompreensão e a ingratidão dos homens. Só levou para seu fim de vida as lembranças das nossas visitas, de meninos e adolescentes, e as irrelevâncias que nós dissemos e fizemos quando de nossas visitas a ele.

O final de Ítalo, embora hipotético, lembra-me o final de um filme de Lina Wertmuller (Itália,1926), em que o personagem de Giancarlo Giannini (Itália,1942) tenta continuar vivendo, tropegamente e bêbado – como Italo, após inúmeras desventuras, tentando ganhar a vida como um indesejado carregador de malas em um porto decadente de uma cidade obscura.

A última cena do filme termina focalizando Giannini e a imagem vai se afastando, com a câmera subindo, subindo, de modo que o vemos cada vez mais distante e lá embaixo, lá embaixo, tropeçando nas malas e com trejeitos exagerados de serviçal, até que não o vemos mais.

Ele desaparece assim. Com sua imagem apenas desaparecendo. Como se nunca tivesse existido. Como se se tratasse da vida de alguém ao contrário: vista desde a velhice até a infância. Uma trajetória ao contrário: da velhice ao útero, da presença até a ausência definitiva.

Enquanto isso a música cresce. (O cinema sabe revolver nossas emoções! Cenas como essa – e intensificadas com música de fundo – se entranham em nós, para nunca mais as esquecermos!)

No caso de Ítalo, haveria de ser uma música qualquer executada pela Orquestra de Mantovani, que poderia ser acompanhada por um côro de bêbados, soluçantes, fedidos e maltrapilhos, como Ítalo ficou em seus últimos anos, como ele, igualzinho como ele ao fechar os olhos para esse mundo.

sábado, 3 de março de 2012

Aquela foto

[...]
Um detalhe: sempre ouvi de minha mãe que eu não queria tirar aquela foto. Ironia das ironias, porque hoje essa foto é uma relíquia para mim, maior do que qualquer outro objeto. Mas o mundo é assim: parece que as coisas que se tornam mais valiosas no decorrer do tempo são aquelas pelas quais se dava menos valor no início.

Parece que os maiores amores registrados são aqueles que, ao começarem, não prometiam passar de um flerte. Que as grandes idéias e invenções não eram, no início, quase nada mais do que uma maçã caindo, do que um balão flutuando, que alguns tubos de ensaio num laboratório remoto e precário.

E ela contava que, como eu estivesse resoluto em minha decisão de impedir aquele momento sublime, o fotógrafo teria me mostrado um boneco, para me distrair, e só então conseguiu realizar a foto!

(Não!... não!... é importante aqui escrever a verdade. Estou tentando dissimular aqui um fato “vexatório” para minha reputação de menino de dois anos, e ainda mais constrangedor para minha reputação de homem maduro: na verdade, na verdade, o fotógrafo mostrou uma boneca. Isso mesmo: uma boneca! Mas não importa: a foto foi feita! Será esse mais um exemplo de que os fins justificam os meios?)

Naquele ano, o presidente da república era o Marechal EGD, hoje mais conhecido por ter emprestado seu nome a uma rodovia, o país tinha menos de quarenta milhões de habitantes, poucas pessoas tinham carros, poucas casas tinham telefone e televisão, como volto a lembrar. O mundo era, ao menos por fora, ao menos materialmente, bem diferente do que é hoje.

Por dentro, no entanto, o mundo era igual. O mesmíssimo de hoje. Porque o que o mundo tem 'por dentro' são as pessoas... e o que as pessoas tem 'por dentro' são suas fotos, em poses sérias, quando crianças, ao lado de suas famílias, especialmente ao lado de suas mães.

Mães esplendorosas! Belas. Dotadas de uma beleza incontível. Difícil de narrar mas que, ao mesmo tempo, fica pedindo reiteradamente, uma narrativa. Uma beleza que se derrama em nossa memória, sai pelos olhos, pela boca, pelos ouvidos. Como flores que escorrem na água da chuva, frágeis, orgulhosas de sua beleza e de seu destino. E desaparecem dos nossos olhos, pelas calçadas de nossas lembranças, esvaindo-se no fluir dos dias...

Tinha razão Fernando Pessoa (Portugal,1888-1935): nada retorna, nada se repete, porque tudo é real.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Prólogo a Filhos

[...]
Ao contrário do Brás Cubas, personagem de Machado de Assis (Brasil,1839-1908), tive filhos. Ele não queria transmitir aos seus filhos o que chamou “legado de nossa miséria”. Eu, no entanto, penso ter transmitido a meus filhos o que concebo ser o “legado de nossa riqueza”, que é a soma de meus esforços, e os de minha esposa, nossos prazeres, dúvidas, desacertos, nossas vontades e estímulos em ser, amar e pensar.

Transmiti a meus filhos algo que sei que é complexo e difícil de realizar e de manter no dia a dia: o desejo de viver bem e em paz. Desejo esse com o qual a situação geral do mundo parece ‘jogar contra’ e bombardear sucessivamente, como que tentando diuturnamente extingui-lo. (Até quando? Até sempre?)

Para nos ajudar e nos motivar nessa luta e nessa busca diária, por outro lado, é bom lembrar, sempre, que o sentido da vida é, certamente, maior do que  imaginamos, é n vezes maior do que o que lhe damos inadvertidamente, quando sozinhos e no dia a dia inconsciente.

Sozinhos, somos muito, muito menores do que os mistérios. Juntos, quem sabe, consigamos aparecer no mapa dos mistérios da vida, ainda que só visíveis a uma pequena distância do mistério observado. (Talvez apareçamos ao microscópio de alguem quando esse alguem estiver observado mistérios ao microscópio...)

Uma possibilidade de entendimento do significado da vida é a idéia – recorrente, durante a vida e no decorrer desse livro – de que ela é uma jornada misteriosa, irreversível e irrecusável, para a qual parte-se com pouco conhecimento e pouco aparelhado para enfrentá-la, mas que se vai adquirindo mais e mais conhecimentos ao longo dessa mesma jornada.

E vai-se ficando, por meio da coleta de mais conhecimentos, cada vez mais aparelhado para enfrentá-la e ser bem sucedido nesse enfrentamento. (É como se fossemos aquele coletor nosso ancestral, que parte com a cesta vazia, e cuja jornada pode ser 'medida' pelo quanto a cesta fica cheia ao longo do caminho.)

Nessa jornada, paralelamente aos outros fatos da vida, ter filhos é um capítulo especial. Acontece até mesmo sem que você perceba inicialmente. É biológico. Acontece biologicamente. Como conseqüência natural de ser, amar e pensar.

Quando acontece o nascimento de um filho, nos primeiros dias ou meses, pode parecer que sua vida não vai mudar muito. Ou que somente vai mudar no início.

Mas isso, é claro, é um engano: sua vida muda para sempre. Muda todas as horas, muda todos os dias. Muda a tal ponto que o fato de ter filhos desloca-se para o centro de nossas preocupações e ocupações.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Separação

[...]
O passado, pertença ele a uma pessoa, a um grupo ou mesmo a um país, assemelha-se a uma enorme tela branca de pintura que existiria às  costas da pessoa, a poucos centímetros dela, que a cada dia fica marcada com os acontecimentos daquele dia, um dia após o outro, semana após semana, mês, ano, etc.

Como se as imagens dos dias fossem sendo arremessadas para trás das pessoas, passando por elas, com força, por uma espécie de vento fortíssimo a ponto de ir retardando seu caminhar, varrendo tudo o que é real, tudo o que é fato e tudo o que é sonho e impregnando essa tela atrás de todos nós com todas as imagens disso tudo!

Uma analogia para isso, para melhor expressar essa idéia, é pensar no processo de silk-screen - em que o artista passa uma tinta grossa através de uma tela, onde está o desenho, tinta essa que, em seguida é transferida para um tecido ou um ladrilho, por exemplo, transferindo o desenho junto com ela.

Porem o processo da vida é mais complexo. Cada dia ele vai pintando sua leve camada e os milhares de dias que vivemos vão formando um grosso relevo na tela atrás de nós, tão acumulado e sobreposto que torna-se impossível de ser lido pelos outros. Só nós mesmos é que temos alguma condição de ler o nosso quadro e variação de nosso relevo.

Portanto, se essa comparação cabe - todas as comparações são cabíveis, ainda que para serem refutadas - é, talvez, mais difícil falar do passado do que tentar falar sobre o futuro! O futuro sempre parece muito mais perscrutável, imaginável, entendível! (Até temos a ilusão de que o futuro é ‘planejável’. Pura ilusão, mas é assim que essa ilusão – e o futuro - se apresentam.)

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O vendedor de geléia

[...]
Mas, voltando aos anos de 1960, muitos eram os vendedores ambulantes também. Havia o vendedor de raspadinha, no verão. Seu equipamento era um carrinho de mão com um imenso bloco de gelo e vários sabores – artificiais - de frutas que eram misturadas com o gelo raspado e extraído do bloco com uma pequena ferramenta. O vendedor de quebra-queixo, o de pamonha, de biju. Todos com suas especificidades e todos a pé.

Todos caminhantes, andarilhos incansáveis, que pareciam estar vindo do fim do mundo, caminhando sobre a linha do Equador, com destino ao outro fim do mundo, como se o planeta fosse seu chinelo, como se o mundo fosse pequeno, minúsculo, tal como era o planeta do Pequeno Príncipe, de Saint-Exupery (França,1900-1944).

O vendedor de geléia era um velhinho baixinho, com óculos de lentes fundo de garrafa. Não tinha nome. Para nós, nenhum dos vendedores tinha nome. Era apenas o ‘vendedor de geléia’. Sua geléia cobria um tabuleiro que estava dentro de um carrinho de mão - pequeno e velhinho como ele próprio - que tinha um cockpit de vidro: era como se fosse uma vitrine sobre rodas. E ele não apregoava as qualidades de suas geléias. Só buzinava. Como se fosse um Chacrinha – Abelardo Barbosa (Brasil,1916-1988) ao vivo! Ele apenas buzinava. E isso era o suficiente.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Prologo a "Ciência e Conhecimento"

[...]
Tudo o que a espécie humana produziu, no entanto, é bom lembrar também, é muitíssimo recente dentro de uma escala de tempo que considere a idade do Universo – ou mesmo somente a idade da Terra. Para termos uma idéia da seqüencia de surgimento  das coisas, sejam astronômicas, biológicas ou humanas, vale a pena ver o que Carl Sagan (USA,1934-1996) propôs, com perspicácia, e que ele chamou de calendário cósmico.

Ele colocou a origem do Universo, há cerca de 15 bilhões de anos (arredondando para um pouco a mais dos quase 14 bilhões atualmente aceitos), como o momento zero do que seria um ano - de 365 dias de 24 horas - de nosso calendário humano atual; desse modo, e conseqüentemente, cada bilhão de anos corresponderia a 24 dias no calendário proposto, e cada segundo corresponderia a 500 anos.

De acordo com esse calendário, a primeira forma de vida na Terra teria surgido somente no dia 25 de setembro. Os primeiros seres humanos, nossos ancestrais diretos, teriam passado a existir somente a partir das 22:10 h do dia 31 de dezembro (o que dá 110 minutos – os minutos que faltam para terminar o ano - vezes 60 segundos por minuto vezes 500 anos por segundo = 3.300.000 anos); o primeiro alfabeto teria surgido às 23:59:51 (há aproximadamente 4.500 anos, portanto); a primeira metalurgia e a invenção da bússola teriam surgido somente quando havíamos atingido as 23:59:53 (há algo como 3.500 anos).

E o agora de nossa vida humana na Terra, com o nosso nível de ciência, tecnologia, e todos os nossos poderes (de ciência, tecnologia, artes, transportes, poder de construção, de destruição e tudo o mais) corresponderia ao primeiro segundo do segundo ano desse calendário!

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Boldrin

[...]
-“O Boldrin faltou...”, uma aluna falava prá outra, logo no início da fila que começava a se formar. Mas sua fala foi interrompida por outra voz mais poderosa.

-“As aulas estão suspensas hoje...”, comunicou, do mini-palco elevado, o inspetor de alunos, logo que os meninos e as meninas aglomeraram-se no pátio para a formação da fila de entrada. Nos cursos primários da rede pública de então, a entrada em sala era sempre precedida pela formação das filas das turmas no pátio. Uma vez perfilados, cantava-se o Hino Nacional. (Quase todos pareciam acreditar na propaganda oficial de que éramos 'o país do futuro'. Daí certos comportamentos serem comuns, e hoje, que chegamos ao futuro, terem rareado...) 

Em seguida, todos subiam para suas salas, formando um trenzinho mirim, com vagões novinhos, de apenas oito anos cada, estridente e feliz, todos com a mesma blusa azul-marinho por cima, camisa branca de mangas curtas e a peça inferior cinza para ambos. Calças compridas para os meninos. Saia – até os joelhos – para as meninas. O mundo parecia bom prá eles, que eram crianças.

Se o mundo não parece bom prá uma criança, vai parecer bom prá quem? Tudo ainda era relativamente simples, ao menos se comparado ao mundo atual. A corrida espacial engatinhava. O mundo se globalizava. O rock’n’roll era adolescente. A política nacional, como sempre, chafurdava.

Todos eles eram crianças, eram e estavam crianças, vivendo esse ínterim de idade mais autêntico da vida das pessoas. (Não só das pessoas. Na verdade, até para a maioria das espécies animais a infância é divertida, agitada, irresponsável. Um período em que se é protegido, que se trabalha menos, que se caça menos. Até porque criança não persegue e mata. Nem para comer...)

-“Só vamos cantar o Hino, mas, em seguida, a professora da turma do Boldrin vai levar os alunos dela até a casa dele... as outras turmas estão dispensadas!”, o inspetor continuou informando.

-“Que que aconteceu?...”, era o que alguns perguntavam na fila. Antes que se tivesse tempo para responder, ele mesmo veio com o triste esclarecimento.

-“A mãe do Boldrin morreu!...”, completou o inspetor, descendo do mini-palco, sem pausas, tanto no caminhar quanto na frase e só deixando para respirar nas reticências, após o ponto de exclamação.

sábado, 28 de janeiro de 2012

Jota Erre

[...]
Poucas semanas depois, com a família instalada e vivendo na nova casa, J.R. procurou seu padrinho, dentro da fábrica mesmo.

-“Vamos ter mais um menino...”, ele falou, sorrindo aquele sorriso, ao mesmo tempo ingênuo e ardiloso, impossível de lhe ser despregado dos lábios. Especialmente em épocas pré-photoshop.

-“Vocês dois, hem?... parecem coelhos!...”, o padrinho falou, sorrindo sinceramente, tanto quanto o afilhado. E, certamente, lembrando-se de seus tempos de 'coelho' também.

Naquela época a reprodução humana estava mais próxima da reprodução de qualquer outro animal. As mulheres – ao menos da classe social deles – ainda não usavam a pílula anticoncepcional. Que já existia, mas só era conhecida e acessível pelas classes mais altas. Os pobres – ou não necessariamente os pobres, mas os sem-cultura – esses se reproduziam naturalmente, sem controles. Quase como coelhos... Como os pobres de atualmente.

-“Sabe como é...”, J.R. disse, agora com um sorriso abertamente malicioso nos lábios, “a gente gosta!...”, ele completou.

-“Eu também gosto!...”, o padrinho o interrompeu. “Mas não dá prá ficar tendo um filho atrás do outro!”, ele finalizou, adquirindo, enfim, um ar sério e compenetrado, como a ocasião exigia.

-“Mais filhos, menos conforto, mais filhos, menos comida na mesa, menos educação para cada um, menos sossego na vida...”, o padrinho começou a enumerar. Mas parou logo, sem vontade de completar lista tão grande.

-“Agora que o menino já está vindo, trabalhe mais então...”, o padrinho falou, “faça mais horas extras... redobre seus esforços... e, depois dessa quarta criança, durmam todos no mesmo quarto... assim você e sua mulher param um pouco de fazer novos inocentes...”, o padrinho completou, entre risonho, irônico e severo. Ele era uma mistura de tudo isso.

E assim foi. J.R. aproveitava todas as oportunidades para fazer horas extras, redobrou, triplicou seu esforço... só faltou tomar a providência anti-natalidade de colocar todos prá dormirem no mesmo quarto. Esse esforço ele não conseguiu implantar, pelo menos naquela temporada.

Um pequeno problema pairava pendente, entretanto. Qual sobrenome dar àquele filho a mais. Ele iria usar seu segundo nome, o ‘R’, como sobrenome de mais um filho? Não era o que ele queria... mas era um problema ainda não resolvido.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Galileu

[...]
Embora fictícia, uma passagem pode exemplificar bem quem foi Galileu. A peça de Bertolt Brecht (Alemanha,1898-1956), A vida de Galileu, tem a seguinte cena: o Papa da época estava sendo paramentado por seu criado, após o banho. No início, o Papa está nu. Seu criado lhe diz (cito sem consultar o texto da peça):

- “Vossa Santidade deve ter ouvido falar sobre o que anda dizendo Galileu...”

- “Ah, Galileu?!... eu o conheço desde criança!”, responde o Papa, “Galileu sempre foi assim mesmo... gosta de falar!”

Neste momento o Papa já está vestido, mas só com suas roupas de baixo.

- “Mas desta vez, Vossa Santidade... Vossa Santidade há de concordar... Galileu tem conseguido maior repercussão sobre suas idéias...”, o criado continua.

- “Não se importem muito com Galileu...”, o Papa diz, “eu vou chamá-lo aqui para ter uma conversa com ele.”

- “Ele tem afirmado que a Terra não é o centro do Universo... veja Vossa Santidade...”, o criado continua.

- “Galileu não é mau, é só um tanto irresponsável...”, afirma o Papa, recebendo seus paramentos externos. Neste momento só lhe falta a mitra papal.

- “O povo está preocupado com isso!”, diz o criado ao Papa, no exato momento em que coloca a mitra papal em sua ‘santa cabeça’.

- “Chame a Guarda!... Prenda Galileu!!!”, o Papa declara, convicto, já totalmente paramentado como e investido de sua figura de Papa.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Trecho de "Ser mulher"

[...]
Quando nasce uma menina, voltando ao assunto mulher, é um momento mágico: é uma menina dando a luz à outra! É uma semente que se abre para dar vida à outra. É uma semente que se abre para expor à natureza outra semente que havia dentro dela. É um elo forte que se estabelece e se repete: é a passagem da vida de uma mulher para a vida de outra mulher. De outra mulher, que passará a vida adiante para outras mulheres. É como uma estrela que explode e que traz dentro de si outras incontáveis estrelas, que um dia explodirão e que, continuamente, conterão outras estrelas dentro de si...
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No meio dessa sucessão de elos, é natural que também nasçam homens, mas a essência da passagem dessa chama, dessa luz - como se fosse uma chama olímpica da vida, como se fosse a luz que faz existir luz e que faz existir a vida... - a essência desse mistério profundo que é a vida, desse imensurável e indecifrável mistério que é existir vida, a essência da vida é preservar a mulher para preservar a vida!
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(Esse último parágrafo está impregnado de um sentido mais que filosófico, como se se tratasse de uma mensagem messiânica ou de alguma atitude de adoração. Isso, por um lado, é bom, porque essa sensação faz jus às maravilhas da existência da matéria, do universo, da vida e da inteligência humana. Mas não seria exato se ficasse a sensação de que se está atribuindo aqui tudo a um conceito de ‘divino’. Seria um equívoco pensar de modo tendendo somente para o religioso. Porque não é isso. É maior que isso.)

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Trecho do conto "Ver o mar"

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Minha mãe, e suas vizinhas, todas elas esposas de operários da florescente indústria automobilística do ABC paulista, já haviam preparado sacolas de comida, salgadinhos, empadinhas, bolos e coisas e tal, que já estavam devidamente acondicionados em tigelas, panelas ou apenas embrulhadas nas próprias toalhas que usávamos rotineiramente em nossas casas. Era como o suprimento da caravana que se preparava para partir.
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O dia ainda mal tinha clareado e já havia um forte burburinho nos portões, ao longo da rua; os meninos já desembestavam em correrias sem pódio e sem ponto de partida nem ponto de chegada; as meninas já apareciam, curiosas, arrumadas como se fossem para uma festa; os homens falavam acerca do horário, do clima, das condições da estrada, de futebol, dos preparativos, dos planos de viagens, etc., falavam coisas de homens, porque aquela era uma época em que havia mais sentido em expressões como ‘coisas de homens’, ‘assuntos de mulheres’, etc.
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De repente, o burburinho tornava-se mais forte, o telefone-sem-fio do boca-ouvido-boca comunicava o fato esperado do dia: o ônibus estava chegando! Alguém já gritara da esquina mais próxima à avenida: o ônibus está chegando! O ônibus está chegando! Era um êxtase, um delírio coletivo, uma comemoração de copa do mundo: era verdade, o ônibus estava chegando!
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E o ônibus chegou! Sua silhueta de metal, imponente, seus bancos revestidos de plástico, suas cortininhas cor-de-vinho, seu cheiro de óleo diesel, imponente máquina humana no cenário da madrugada, como se sua chegada fizesse também chegar os primeiros raios de claridade do dia. De algum modo a chegada do ônibus parecia a chegada de um Cavalo de Tróia, por seu mistério e imponência. Mas um Cavalo de Tróia benigno, carregado de amigos e de boas intenções...

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Trecho do capítulo "Infância"

[...]
Para ser bem clichê: nós éramos felizes e sabíamos que éramos! O capitalismo ainda estava em outro estágio. Ainda não abocanhava, mastigava e cuspia milhões de pessoas com a ferocidade de hoje. Os governos eram menos mentirosos e corruptos que atualmente. Os preços não eram manipulados por governos e subiam gradativamente, e os índices de inflação não eram vergonhosamente manipulados para manterem-se baixos, como hoje.
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Nem existia a Receita Federal ainda. Os salários não pagavam, como atualmente, Imposto de Renda. Porque, como o próprio nome diz, eram salários, não eram renda. (A Receita Federal brasileira comemorou quarenta anos em 2009). Pedágios eram raros. Impostos sobre as casas e sobre os carros não eram extorsivos como na atualidade. Taxas e multas eram poucas se comparadas à ostensiva e usurpadora blitz arrecadadora diária, municipal, estadual e federal, que assola os cidadãos brasileiros nas últimas duas ou três décadas.
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Claro que havia parasitas da sociedade, pois esses existem desde o início do Brasil, que vivem de subtrair o dinheiro público para seu uso pessoal, para seu enriquecimento particular, mas, aparentemente, essa praga tinha menores proporções. Não era como hoje, quando milhões de parasitas se apoderam de instâncias públicas municipais, estaduais e federais, manipulam tudo e todos, e continuamente ficam inventando meios de retirar dinheiro de verdadeiros trabalhadores, para promoverem indisfarçáveis farras com o dinheiro arrecadado, e que deveria ser usado para benefício de todos...

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Orange juice, please. No ice!

[...]
Ele estava ali, com seus dez anos, lindo, um homem completo ou ainda um menino muito incompleto (ou ambos), dependendo do quesito que se quisesse avaliar isoladamente. Bem vestido, bem nutrido, com uma carga cultural boa para a sua idade (acima da grande maioria das pessoas de sua idade). Às vezes, aparentemente, absorto num detalhe ou noutro. Difícil dizer.
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Os ecos das aeromoças se aproximavam: coke? beer?... E aquelas vozes se tornavam pouco a pouco mais próximas. Alguns passageiros brasileiros, a maioria dos passageiros, se mexiam incomodados em suas cadeiras. Alguns repassando mentalmente o que iriam dizer, em inglês, àquelas loiras americanas, àqueles americanos de pele bem branca, a maioria de olhos claros. Quando a presença da primeira aeromoça norte americana marcou seu perfil no corredor, a vários metros de nós, e de meu filho, provavelmente no exato instante em que o olhar dela cruzou com o dele, ele disparou em sua direção, fria e rapidamente, como se fosse o vencedor de um duelo de bang-bang: “Orange juice, please!... No ice!”, ele disse, rápido no gatilho.
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Foi como um disparo de arma potente e de alta tecnologia. Seco e certeiro: “Orange juice, please!... no ice!”  E, subitamente o burburinho das pessoas dentro daquela nave cessou. Tudo o mais, a não ser o eco dessas duas frases, virou silêncio... (Orange juice, please! No ice!) E talvez aquele silêncio todo tenha começado na letra ‘o’ da palavra ‘orange’ e se intensificado antes do ‘no’, de modo que a aeromoça, certamente, ouviu a frase inteira, clara e sonoramente, límpida e vigorosamente, tranqüila e soberanamente.
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E não lhe restou alternativa senão dar meia-volta e ir cumprir rapidamente aquela ordem tão clara: Orange juice, please... No ice!!!