sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Nascimento do primeiro filho (uma filha!)

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Dava pra ouvir o click do semáforo mudando de cor. De vermelho para verde, de verde para amarelo, de amarelo para vermelho. Tão absoluto era o silencio daquela hora da madrugada. Só de vez em quando, muito raramente, passava um carro.
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Eram 3:15 h. Madrugada de sexta-feira. De maio. De um ano que não está muito distante, dependendo do sentimento de distância. Ou de um ano que está irremediavelmente distante, como tudo que diz respeito ao passado. (Mesmo o minuto que passou - o minuto anterior ao que estamos - está inalcançávelmente distante.)
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Madrugada de uma sexta-feira. De uma época e um lugar – de uma periferia de cidade - em que só o fator “madrugada”, por si, já significava silêncio e solidão. O semáforo ficava bem em frente à entrada da maternidade, um prédio baixo, de térreo mais dois ou três andares. Lá dentro, no quarto 38, estava minha mulher.
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(Escrevo “minha mulher” no lugar de “minha esposa”. Essa escolha será, por si só, reveladora do como a vejo e até de como vejo as mulheres em geral? E até de como vejo a mim mesmo? Deve ser...)
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Mulher quase menina! Tão jovem e tão linda! Linda, radiante, repleta de um sentimento múltiplo e misturado: de cansaço, de atordoamento com os fatos da vida, de felicidade, amor, exaustão e ternura. Com uma mistura de sentimentos que só as mulheres conseguem ter, com uma intensidade de sentimentos que só uma mulher que acabara de dar à luz conseguiria ter.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O que é, mesmo, Teatro?

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Voltando alguns anos, a antes de 1970, ao primeiríssimo espetáculo teatral que assisti, era de circo-teatro, uma modalidade que talvez nem exista mais naquela forma. Chamava-se "A Marca da Ferradura", no Circo de Tonico e Tinoco - ou João Salvador Perez (Brasil,1917-1994) e José Perez (Brasil,1920). Foi em 1960 ou 61 e o circo estava montado perto de meu bairro.
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O texto era um drama típico de circo-teatro daquela época e, a rigor, não tinha o brilho necessário para permanecer na história do Teatro. Como não permaneceu. Uma peça daquelas com "moral da estória" no final, o relato de um embate entre o Bem e o Mal, uma parábola sobre um fazendeiro ateu, desenvolvida de modo direto e reto a fim de demonstrar, como sempre - em peças assim - que o mal não compensa. (Essa discussão sempre estará em aberto, como se houvesse alguma dúvida de que o mal não compense...)
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Na estória, o vilão queria entrar com seu cavalo na igreja local, para desafiar Deus e provar sua força. Contra a Dele. Após seu cavalo entrar na igreja, já diante das imagens de santos, o cavalo refugara, derrubara o vilão e lhe aplicara um coice no peito. Somente ouvia-se esse trecho, que estava acontecendo no "dentro", não mostrado ao público. O desfecho da cena, com o vilão já ostentando a marca da ferradura em seu peito, como uma tatuagem, é que era visto quando ele voltava cambaleante e prestes a morrer. Aí sim diante do público!
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Era rústico, simples e belo! Forte. E, de certo modo, trágico, embora a peça não fosse uma tragédia grega, em sua origem e forma. Mas era contundente e verdadeiro! Como, aliás, o é o teatro como um todo.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Ser mulher

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As quatro grandes categorias ocupacionais em que se dividem os humanos, conforme a visão tradicional masculina (que são: trabalhadores, sacerdotes, guerreiros e comerciantes) são, na realidade, cinco: antes delas vêm as mulheres, depois vêm essas quatro. Além de haver mais uma vantagem para o gênero feminino: a de poder ser qualquer uma das outras categorias também...
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O que significa dizer que o poder das mulheres é acumulativo, que seu pertencimento a mais de uma categoria, simultaneamente, eleva sua força a potências. Primeiro, elas são mulheres, depois vem o fato de serem trabalhadoras, sacerdotisas, guerreiras ou comerciantes. Enquanto fazem o que fazem, atuando nas outras categorias, elas geram e criam filhos. Enquanto trabalham, exercem sacerdócios de vários tipos, guerreiam em diversas frentes ou realizam todo tipo de comércio, também geram, criam e educam filhos e filhas. E netos e netas.
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Enquanto os homens pensam que a natureza humana masculina é mais adaptada à guerra real, a natureza humana feminina dispensa a guerra, e ainda assim consegue os mesmos resultados que os homens só conseguem por meio das guerras. Essa natureza, pré-existente na espécie humana, já define quem domina quem: o feminino domina o masculino, cria a idéia de masculino e de feminino, cria a idéia de universo, de matéria, de vida, reinos, empresas, países. Cria a idéia de haver dominação. E até a própria idéia de haver idéias...

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Rever minha mãe

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Eu, que estava dirigindo, certamente por falta de perspicácia (que quase sempre me falta, ainda mais em momentos tão solenes) sobre o que fazer exatamente, ainda mais naquela situação limite, fui falando de coisas tolas, quase sempre diretamente prá minha mulher, e outras vezes diretamente prá minha mãe, que estava deitada no banco de trás do carro.
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Como se falar tolices pudesse assegurar a continuidade da vida, como se evitar encarar a morte a fizesse desviar daquele ser fragilizado e adoentado, como se se pudesse driblar a morte e fazê-la passar ao largo daquele carro insignificante, entre milhares de outros igualmente insignificantes, entre incontáveis outras insignificâncias reunidas...
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Como se alguma coisa... como se qualquer coisa...
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Ao chegarmos, ela desceu do carro, pronta para caminhar por sí mesma, apenas apoiada levemente por minha mulher. Um percurso curto, da recepção até a enfermaria, para quem estivesse saudável. E um longo percurso, para uma pessoa doente. Caminhada, curta ou longa, que acabou não sendo necessária: alguém trouxe uma cadeira de rodas. Eu soube depois que o médico que acompanhava sua doença, agora em fase terminal, ficou surpreso que ela ainda conseguisse andar...

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Tour d'amore

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Ela o abraçou lindamente e o beijou longamente. Como se a vida pudesse ser sempre descrita assim, por uma sequência de advérbios de modo. E como se combinasse otimamente com eles. (Afinal, aí estão vários deles na frase de novo!) E eles se concentraram um no outro como se ninguém mais existisse ao redor deles, como se nem mesmo a Fontana di Trevi existisse mais alí. Ou sequer tivesse existido naquele local algum dia.
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Depois voltaram com o grupo para o hotel, que ficava próximo ao bairro Trastevere, tomaram banho e vestiram-se para a noite, uma noite de lua cheia e que já havia começado. Depois voltaram caminhando para a Fontana di Trevi.
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Entraram no hotel planejado, que era mesmo mais uma pousada do que um hotel. Na cantina do mezzanino jantaram, dançaram, beijaram-se, juraram de novo todas as juras tantas vezes juradas, e ficaram ali, esperando o tempo passar até a madrugada chegar. (Não se tem que esperar muito quando se espera o tempo passar. O que o tempo sabe fazer de melhor - e talvez a única coisa que ele sabe fazer de fato - é passar. É sua vocação natural...
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Chegadas as duas ou três horas da madrugada, a fonte estava quase vazia, exceto por dois casais que estavam sentados namorando nas escadarias (agora à direita de sua visão de dentro da pousada) e por um outro casal que estava na própria fonte. Esses casais eram bem jovens, pareciam italianos nativos e um deles aparentava estar fazendo sexo alí mesmo. Ela, sentada em uma mureta e ele encaixado por entre suas pernas, ele às vezes fazendo curtos movimentos de quadril, como aqueles feitos às vezes por quem está amando. Ela, tranquila, quase sem movimento, como quem está sendo amada...
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Prólogo a Amor e Sexo

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Um complicador que interfere entre amor e sexo, talvez o maior dos complicadores, é a moral.
A moral é um feixe complexo de artifícios e regras sociais, psicológicas e políticas, geralmente inventadas por alguém, e depois adotadas por um grupo social, a fim de dominar o outro.
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Funciona assim: alguém inventa uma regra para você cumprir e que é determinadora e restritiva de suas ações. E o criador da regra diz que ela é para seu bem. Se você acreditar nele - ou apenas obedecê-lo, mesmo sem acreditar - e cumprir a regra, você terá suas ações cerceadas e ele passa a ter poderes sobre você, sem que ele precise admitir nada disso e até sem que você se aperceba.
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É um mecanismo simples, não é? É. Simples e poderoso, tornando-se ainda mais poderoso se envolver mentiras por parte de quem inventou a regra. Especialmente a mentira de que ele também vai obedecer a regra inventada.
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A idéia da moral tem rendido muitos dividendos a quem a inventou ou a pratica: pais mandam em filhos (e filhos obedecem) em nome de regras morais. Homens dominam mulheres por razões morais. Religiões controlam seus seguidores - e deles extraem o que querem - por meio de princípios morais. Minorias conseguem facilmente dominar maiorias, e por longos períodos, valendo-se apenas da moral. E por aí vai. Ou por aí tem vindo...
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Acontece que amor e sexo não têm moral alguma: são forças da natureza, fazem do homem e da mulher o que está programado biologicamente pela natureza para ser feito; fazem com que eles se aproximem, se aninhem, se ammem, se acasalem, se reproduzam. Tudo conforme as leis universais da matéria e da vida. Leis puramente físicas, animais, humanas - e até sobrehumanas - completamente diversas das leis da moral.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Botas de couro

Ela estava linda. E como poderia não estar? Como seria possivel uma menina-mulher, linda, aos dezesseis anos, não estar mais linda ainda no dia em que se despiria pela primeira vez para seu amado eleito, seu primeiro namorado? No dia em que, pela primeira vez, ficaria nua para o homem-menino que também a amava? Ela devia mesmo estar linda, esse era o desejo explícito da natureza, até porque esse é um momento que nem todos têm a chance de viver, o momento de amar e de ser amado pela primeira vez...
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Ela estava ofegante. Natural que estivesse assim desde horas antes, a partir do momento do dia em que ela intuiu e pressentiu o que aconteceria com ela naquela noite. Era uma segunda-feira qualquer - e uma segunda-feira única, que jamais voltaria - na cidade onde eles estavam havia um caos causado por fortes chuvas, e alagamentos em bairros periféricos. Tudo parecia fora de lugar. Como se as coisas humanas algum dia tivessem estado em seus lugares.
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Ela estava com um macacão verde escuro. De veludo. Numa época em que veludo tinha um significado especial, que não voltou a ter. E que, talvez, nunca volte. Aquele tecido remetia a sofisticação e algo romântico. De séculos anteriores. Ela estava de botas compridas, pretas, que chegavam aos seus joelhos. Pele clara, macia, cabelos escuros, ondulados, olhos negros, daqueles olhos negros em que só dá para ver as pupilas bem de pertinho. Uma beleza feita para durar muitas décadas, portanto ainda mais deslumbrante quando surpreendida no auge de seus dezesseis anos.
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Sobre o livro "Ser, amar, pensar" (e sobre esse blog)

Este blog exibe trechos do livro "Ser, amar, pensar".
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Ele está pronto para ser editado.
Apenas aguardando o momento de vir ao mundo.
Seja por meio de uma editora. Grande, média ou pequena.
Ou mesmo por meio de uma "edição do autor".
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É só uma questão de tempo. Pouco tempo.
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Enquanto o livro não ganha concretude, não se materializa em
folhas de papel, capa colorida, fotos ou ilustrações, trechos de
seu texto poderão ser lidos aqui, neste blog criado especialmente
para isso.
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Não é um livro de auto-ajuda, mas certamente poderá ajudar muito
a quem o ler. Não é apenas um texto escrito apenas para estimular
nosso autoconhecimento, embora todos os livros tenham esse aspecto.
Não é um livro filosófico, embora filosofias sejam obrigatórias em nossas vidas...
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Esse livro é um mix de auto-ajuda, autoconhecimento, filosofias de vida,
estórias vividas - e ouvidas - que, juntas, certamente podem nos fazer
ser, amar e pensar melhor!
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Dentre as muitas razões que existem para que possamos amar ser,
amar amar e amar pensar, oito delas estão no livro:
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1. Ser homem
2. Ser mulher
3. Amor e sexo
4. Arte e cultura
5. Ciência e conhecimento
6. Fé
7. Filhos
8. Infância
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Cada uma dessas razões é mostrada em um capítulo do livro, onde
há, além de considerações sobre o tema, estórias - reais e fictícias - que o ilustram,
comentam, complementam...
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Veja aqui - e recomende aos amigos - trechos selecionados dos capítulos,
que eu postarei nas próximas semanas.
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Quando o livro for publicado, claro, avisarei...
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Roberto Melo